terça-feira, 7 de abril de 2015

A Benção da Ignorância

É comum se dizer que "a ignorância é uma bênção". E sob diversas óticas, isso é verdade.

Quando desconhecemos que há razões para sofrermos, o sofrimento quanto aquele aspecto específico realmente não existe. E quanto mais eu desconheço que deveria estar miserável, menos razões eu tenho para assim me sentir. Um dos significados da própria palavra "pureza", aliás, quer dizer ignorante - ou seja, o puro é aquele que ainda não foi corrompido pelo conhecimento.

Aprender é uma atividade de risco. Quando eu começo a pensar, nunca sei onde vou parar. Não dá para honestamente compartimentalizar o intelecto, impor barreiras de segurança para onde o pensamento não deve seguir, ou querer voltar atrás com a revelação. A grande maioria dos conhecimentos sobre a vida e o mundo são agradáveis e tranquilos, mas nunca se sabe quando vai se cair num precipício onde questionaremos a realidade do que somos, do que acreditamos ou do mundo em que vivemos, nos ferindo profundamente e de forma permanente.

Mas isso não quer dizer que a alegria só pode ser alcançada através da ignorância, ou que devemos privar o mundo do conhecimento para permitir que se seja feliz.

O primeiro problema com essa ideia é que nem todo mundo consegue ser feliz se mantendo na ignorância. Para muitas pessoas, ser ignorante já é um motivo para estar infeliz. Essas pobres pessoas têm pouca escolha: como não estão tranquilos no retiro dos incultos, vão procurar conhecer as verdades do mundo, assumindo os riscos de poderem ser ainda mais infelizes com o que aprenderem.

O segundo problema é que é falsa a noção que todo conhecimento poderá trazer infelicidade para todos. Existem indivíduos que se realizam com o conhecimento em si. Para eles, ponderar mesmo sobre as mais trágicas verdades filosóficas é razão de satisfação - não pelo conteúdo do conhecimento em si, mas porque conseguem obter a satisfação já com a possibilidade de conhecerem - mesmo que deparem com as mais duras tribulações intelectuais/filosóficas.

Logo, arriscar conhecer (e sofrer) ou se recolher nas dádivas da ignorância (na esperança de fugir da dor) é, acima de tudo, opção pessoal, que pelo menos deveria ser feita com lucidez. E o que a maioria das pessoas tem feito, todos os dias, é optado pela segunda opção.

Todas as vezes que a massa aceita sem nenhum questionamento o que é oferecido como verdade pela mídia é porque optou pela ignorância. Toda publicidade falsa que se sustenta apenas pelo apelo emocional e toda pseudociência burra da moda só fazem sucesso porque seus consumidores querem se poupar de ter que pensar. Todas as vezes que alguém de direita (ou de esquerda) bloqueia a própria capacidade crítica porque não consegue admitir que possa haver alguma ideia boa vindo do outro lado, enquanto se empanturra com absurdos vomitados por seus "iluminados" favoritos, cujas doutrinações se alinham melhor com suas preconcepções, é porque optou pela bênção da ignorância.

A ignorância é uma bênção que também é uma maldição. Toda mente fechada busca graças no obscurantismo. É preciso abri-la para deixar a luz do discernimento entrar.

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