quinta-feira, 23 de abril de 2015

Conto - Pacote

PACOTE
por Murilo Alexandre

Bolachas de tipos diferentes, recém-fabricadas, conversavam sobre o futuro. Na condição de guloseimas que eram, sua preocupação (e missão na vida) era essencialmente a de proporcionar o maior prazer possível ao paladar que satisfariam, e quão apreciadas seriam por esse motivo, e não era outro o tópico da discussão.

A bolacha de chocolate disse: “Desculpem a honestidade, companheiras, mas serei a mais amada de todas. Sei disso porque já fiz as contas e determinei que está garantida minha posição como última bolacha do pacote”.

Pois Isso não é nada.” – retrucou a bolacha de coco, que continuou: “Serei a última bolacha do último pacote de uma embalagem que vem com vários pacotes, e serei muito mais admirada.”

A bolacha de limão deu uma risada e disse: “Pois eu, amigas, sou a última bolacha do meu tipo, e serei a última do último pacote que será fabricado. Não podem se comparar a mim no amor que receberei.

Sem chegarem a um acordo sobre qual era a mais deliciosa e que mereceria a maior admiração por suas qualidades, as três se separaram, foram embaladas e vendidas, como é o destino natural das bolachas.

O pacote da bolacha de chocolate foi aberto numa reunião social e todo seu conteúdo foi despejado numa bandeja rasa e servido aos presentes. Horrorizada, ela foi deglutida sem nenhuma distinção ou deferência especial, por alguém que passava ali por acaso, aprendendo na experiência que a mera posição em que se está no momento não é por si só garantia de sucesso, pois o mundo muda as posições o tempo todo, destruindo ou criando igualdades.

A bolacha de coco foi comprada por uma entusiasmada comedora por bolachas, que o fazia aos montes. Enquanto ainda estava sendo devorada, entre os dentes que a mastigavam, observou que a mulher já abria o próximo pacote da embalagem seguinte, sem lhe dar nenhuma importância especial. Tirou por lição, naquele breve instante, que sempre existirão novas embalagens, com novos pacotes de novas bolachas, e por isso não era e nem nunca fora insubstituível como havia se iludido.

Aberto o pacote da bolacha de limão, por sua vez, a mesma acompanhou, cheia de ansiedade, enquanto as irmãs de pacote, que estavam a sua frente, iam sendo retiradas. Custava chegar sua vez. Finalmente, durante o lanche de um garoto, viu chegar sua hora de ser consumida. Sua antecessora imediata finalmente saiu de sua frente, retirada pelo garoto, que enquanto a mordia comentou: “Que bolachas horríveis! Não é à toa que pararam de fazer!” – e jogou o resto do pacote no lixo.

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Esse é o conto de abertura da obra Curtos Contos e uma Comprida Confissão, que pode ser adquirida aqui:
Curtos Contos e uma Comprida Confissão

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